Carta de um jovem cubano a Obama

Carros cruzam embaixada dos EUA reaberta em Havana
Carros cruzam embaixada dos EUA reaberta em Havana

Caro presidente Obama,

Não me lembro da última vez que nos reunimos em frente a nossa velha tv. Em minha casa, as mulheres se juntam todos os dias para assistir a alguma novela brasileira; e os homens para acompanhar mais uma partida de beisebol. Você sabe: elas gostam de drama e de finais felizes; nós de adrenalina e de esporte. Talvez, estávamos todos juntos para ouvir nosso comandante Fidel anunciar que deixaria o comando do país. Foi em 2008.

Agora nos apertamos no sofá outra vez: queríamos estar todos juntos para ouvi-lo falar. Para nós, sua fala era mais que simbólica, mas a mensagem de esperança de dias melhores para nossos 11 milhões. Você bem sabe, o embargo imposto a nosso povo há 54 anos é uma agressão perversa. Causa-no dor e sofrimento dia após dia. Uma tragédia que poderia ser evitada.

Antes que seguir, preciso dizê-lo que nunca consideramos norteamericanos inimigos. Aliás, ter ódio não é uma característica nossa — talvez tenha a ver com uma cultura humanista e de entendimento do outro. Para mim, sempre foi e será claro que os ideais e os propósitos dos que vivem em Miami não são os mesmos dos nossos. Não acho que o consumo possa salvar o planeta, mas tenho certeza que o está destruindo.

"Patria es humanidad", diz letreiro em Havana
“Patria es humanidad”

Acho que a Revolução faz bem a Cuba, entre perdas e ganhos. Ainda mais sabendo da total miséria na qual vivem nossos vizinhos da Jamaica, da República Dominicana, do Haiti, das Bahamas, a qual creio também estaríamos fadados se tivéssemos seguido por outro caminho. A América Central, como a África, nunca foram lembrados pelo resto do planeta e tiveram alguma chance de dar aos seus filhos uma vida decente. Vivendo em um país com recursos naturais e materias escassos, considero-me digno, como meus compatriotas, apesar de pobre.

Ouvi atentamente você dizer que “antes de 1959, alguns estadunidenses achavam que Cuba era um país a ser explorado, não prestavam atenção na pobreza e eram totalmente permissivos com a corrupção”. Tocou-nos a todos nós quando disse, “eu sei bem da História, mas não quero me prender a ela”; aproximou-nos de você e do seu povo com um frase de José Martí, um de nossos heróis “cultivo uma rosa branca”; ganho-nos de vez quando fez sua saudação final “eu ofereço ao povo cubano uma saudação de paz”. 

Era 1959: Che Guevara e Fidel Castro em momento descontraído
Era 1959: Che Guevara e Fidel Castro em momento descontraído

Apesar de ganhar nossa simpatia desde que assumiu a presidência e com essa quebra de gelo, presidente Obama, tenho que discordar de você ao ouvi-lo dizer ” que o estava sendo feito não funcionava”. Talvez faltou-lhe coragem para expressar que não só apenas não funcionava, mas causou e causa o sofrimento e a morte de muita gente por aqui. Aliás, muita gente até interpretou o seu “não funcionava” de outra maneira. Se hoje somos soberanos e não funciona, para que passe a funcionar temos que agir de maneira diferente? Aceitar as ordens dos Estados Unidos? Reticências…

Faltou-lhe falar qualquer coisa sobre Guntânamo, já que nunca entendi como há um território ocupado dentro do meu país. Para onde, ouvi falar, trazem presos sem condenação. Dizem que é um escândalo mundial. 

Em protesto em frente à Casa Branca, ativistas pedem fechamento de Guantánamo
Em protesto em frente à Casa Branca, ativistas pedem fechamento de Guantánamo

Eu sei de sua boa intenção, presidente, e para mim, como para boa parte do mundo, está claro que você representa humanidade, integridade e compromisso com um mundo melhor não apenas para seus compatriotas. Mas para nós, cansados de esperar, é difícil vê-lo partir deixando para trás os bloqueios econômico, comercial e financeiro.

Apesar de ter dito que “vim aqui para deixar para trás os últimos vestígios da Guerra-Fria nas Américas”, deu-nos um calafrio lembrar — quando pontuou que os “Estados Unidos e Cuba têm desempenhado papéis diferentes no mundo” –, do papel imperialista do seu país no planeta. Apoiar algumas das mais odiosas e sangrentas ditaduras do nosso continente — Batista, Somoza, Pinochet, Médici, Videla e tantas outras –, faz-me ficar preocupado com o que ainda nos pode acontecer.

O imperialismo é daninho, é deve ser combatido e tratado dia a dia para o bem do povo cubano. Por isso, quando escuto-o proclamar que “os EUA não têm nem a capacidade nem a intenção de impor mudanças a Cuba, já que essas mudanças dependem do povo cubano”, lembro-mo do que seu antecessor, o sanguináreo Bush, tramou no Iraque. Ele, senhor presidente, pensava em qualquer interesse, menos no do povo daquela país. Faz pouco tempo.

Obama é recebido na Praça da Revolução, o ponto mais simbólico de Havana
Obama é recebido na Praça da Revolução, o ponto mais simbólico de Havana

Fiz questão de anotar os “valores” que, segundo você, todo país deve exercer, e algumas medidas que Cuba deve aplicar para “evoluir”. Entre elas o respeito aos direitos-humanos. Apesar de não conhecer o que é democracia, tenha certeza de que sinto falta dela. E de liberdade de expressão também. Mas, presidente Obama, pergunto-me sobre a falta que faz esses direitos vivendo sob um teto digno, com meus filhos na escola, com saúde decente e acesso ao suficiente para ter uma vida que milhões de americanos não podem viver. É uma democracia sem escolha. 

Por fim, prezado presidente, ouvi-lo dizer que “o futuro de Cuba deve estar na mão dos cubanos”.  Esquece-se o senhor que nosso futuro está em nossas mãos desde 1959. E vai continuar assim, com ou sem bloqueio.

Obrigado pela inesquecível visita. Esperemos boas novas.

Diogo de Sá, 32, cubano-brasileiro

2 thoughts on “Carta de um jovem cubano a Obama

  • 2 de abril de 2016 em 19:34
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    Opa

    Gostei muito do seu post no seu site.

    Abraços!

    shameonyoublogueira.com no Portal Shame Intelimax

    Resposta
    • 7 de abril de 2016 em 02:53
      Permalink

      Muito obrigado pela mensagem. Espero que siga lendo e aproveite ao máximo. Um forte abraço.

      Resposta

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