Diários de Caracas [9]: o ídolo do continente

Simón Bolívar, o ídolo latino: morte prematura, aos 47, aspecto de 60 aos

Basta uma volta por Caracas, Bogotá, Lima, Quito, Cidade do Panamá ou qualquer outra capital –ou cidadezinha– deste pedaço do continente para comprovar: Simón José Antonio de la Santísima Trinidad de Bolívar Ponte y Palacios Blanco, ou simplesmente Simón Bolívar, é “o cara” da América Latina.

Ele empresta o nome a um sem-número de cidades, ruas, estradas, praças, parques, escolas, universidades, e tudo mais que tenha a ver com a coletividade e com o conhecimento.

Pinturas gigantecas e discretas com sua imagem, de corpo inteiro ou somente em parte, em situações tão distintas quanto combatendo os espanhóis sobre um cavalo, ao lado dos políticos da vez, ou de indígenas; podem ser vistas em muros de bairros ricos e pobres.

Pichações que relembram frases suas em paredes públicas e privadas, escrituras na entrada de prédios públicos, biografias e revistas nas bancas de jornal: é impossível –felizmente– não se dar conta de sua existência.

Na Venezuela, então, Bolívar é cultuado. Basta dizer que faz parte do nome da nação: “República Bolivariana da Venezuela”. Em Caracas, a capital do país, aterrissa-se no aeroporto “Símon Bolívar”, trafega-se pela rodovia Símon Bolívar para chegar ao centro e para-se a tomar um sorvete na praça Bolívar, a mais bonita da metrópole de 5 milhões.

Eu conhecia pouco da história desse personagem, mas fui fisgado ao notar o quanto ele é idolatrado não só em homenagens pintadas no concreto, mas também pelos viventes de 2016. Gente que carrega muitos ou poucos dele no bolso — Bolívar também é o nome da moeda da Venezuela–, de qualquer viés político, citam o nome do “libertador” em algum momento de qualquer tipo de conversa.

Para me encontrar com o seu legado, fui à casa onde ele nasceu, em Caracas. A sacada imponente fica quase em frente à bonita “Plaza del Venezolano”, no centro de cidade. A entrada é gratuita, e a visita diária –das 8h à 16h.

Ainda do lado de fora, soube que a maior personalidade latino-americana nasceu em 1783 e morreu em 1830.

Lembrei-me que Tiradentes, talvez nosso maior herói histórico, vivia nessa mesma época. Joaquim José da Silva Xavier tinha 37 anos quando Bolívar nasceu, e Bolívar 9 anos quando o inconfidente foi enforcado, em 21 de abril de 1792. Contemporâneos de certo modo, eles não souberam um da existência do outro.

Voltando à casa, nota-se que o lugar de pé direito elevado, muita madeira e cerâmica, é bem conservado. Como quase todos os lares coloniais dos livros de História, esse também tinha um pátio central com os cômodos ao redor. Todos pareciam no lugar original, inclusive o que abrigou o nascimento do responsável pela minha visita.

Assembléia Nacional da Venezuela, em Caracas: fonte, cúpula e imagens de Simón Bolívar
Assembléia Nacional da Venezuela, em Caracas: fonte, cúpula e imagens de Simón Bolívar

Na casa, não há muitas referências escritas à biografia de Bolívar, mas muitos murais em sua homenagem. Foram pintadas pelo venezuelano Tito Sales, em 1913, numa das restaurações pela qual o lugar passou. Elas retratam vários momentos da história do país e da vida do seu filho mais ilustre.

Ao lado da casa está o Museo Bolivariano. Lá a história de Bolívar é contada, e muitos objetos dele fazem a imaginação voar e atingir seu momento histórico.

O primeiro que me impressionou foi saber que, filho de uma uma família rica, o futuro libertardor da América perdeu o pai –morto de tuberculose– aos dois anos e a mãe, pelo mesmo motivo, quando tinha nove.

Pintura na Casa de Bolívar retrata sua primeira comunhão
Pintura na Casa de Bolívar retrata sua primeira comunhão

Assim mesmo, criado pelos avós, ele não apenas sobreviveu, mas se interessou pelo mundo. Aos 15 anos foi estudar em Madri; quatro anos depois estava casado com uma espanhola; um ano depois de casado, já em Caracas, viu sua esposa morrer de febre amarela. A tragédia o acompanhava.

Voltou ao Velho Continente no mesmo ano da morte de María Teresa. Na França — para onde ainda voltaria duas –, foi fortemente influenciado por correntes iluministas –as da liberdade, igualdade e fraternidade– e antiabsolutistas.

De viagem à Itália, aos 22 anos, jurou aos pés do Monte Sacro de Roma libertar sua pátria. Voltou a Caracas no ano seguinte para pôr seu juramento em prática.

Em 1808, Napoleão invadiu a Espanha. Era o momento ideal para, do lado de cá do oceano, o homem de 25 anos reunir forças e, anos e anos de lutas, vitórias e retrocessos depois, entrar para a História como alguém capaz de liderar guerras de independência e de exercer influência direta em pelo menos cinco dos atuais países da região – Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia.

Como se fora pouco, o museu lembra do seu legado colossal além libertação. Bolívar deixou vastíssimos escritos; de artigos e carta a discursos.

“Culto, refinado e viajado, ele foi sobretudo um intelectual de ação. Estava longe de ser um líder oriundo das classes populares. Era destacado descendente da elite criolla, brancos e mestiços de posses que, entre os séculos XVI e XIX, se opunham ao domínio espanhol em diversos países do continente”.

Galeria das Batalhas lutadas e vencidas por Simón Bolívar expostas em casa que leva seu nome
Galeria das batalhas lutadas e vencidas por Simón Bolívar expostas na casa onde nasceu, que hoje leva seu nome

A origem pouco importa, diga-se, já que suas causas eram excepcionais. Ele lutou contra e derrotou o colonialismo, batalhou pela república, pelo fim da escravidão e pela defesa de um sistema de educação pública, para citar algumas das suas iniciativas vitoriosas.

Simón Bolívar morreu extremamente depressivo, de febre amarela, aos 47. Estava a caminho do exílio, logo depois de ter aberto mão de sua liderança da Gran Colombia — união de vários territórios que juntos formavam a Patria Grande sonhada por ele

Considera-se traído pela elite que queria se beneficiar da divisão dos territórios, o que de fato aconteceu.

Busto de Bolívar na entrada do salão principal da Assembléia Nacional da Venezuela
Busto de Bolívar na entrada do salão principal da Assembléia Nacional da Venezuela

Hoje, seu nome é sinônimo de soberania, liberdade e justiça. Daí sua força histórica e política –qualquer partido o cita para falar de um futuro melhor–, e o motivo da veneração quase religiosa.

Os feitos que liderou repercutiram concretamente na vida de milhões de pessoas até hoje. E elas, felizmente, sabem disso e reconhecem seu ídolo.

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