Correios da Espanha homageiam LGBTIs e se tornam um dois assuntos mais comentados do país

A campanha “No solo amarillo” dos Correios no Youtubedois doi

Nem coronavírus, nem recuperação econômica, nem férias de verão. Por dois dias consecutivos — quinta-feira, quando os Correios da Espanha lançaram a campanha ‘No sólo amarillo” (não só amarelo) em homenagem à comunidade LGTBI; e sexta, quando a ação viralizou, a empresa foi um dos cinco assuntos mais comentados nas redes sociais locais, chegando a ocupar a primeira posição por várias horas. Junho, vale lembrar, é o mês que lésbicas, gays, transgêneros, bissexuais e intersexuais (transsexuais) celebram a Rebelião de Stonewall (28/6/1969), um divisor para as conquistas da Comunidade LGTBI.

Voltando a 2020, do ponto de vista do marketing, a peça dos Correios já é um “case de sucesso”. O investimento total, de cerca de 12.500 euros — suficientes para cobrir cinco vans, nove pontos de postagem e a fachada da agência de Chueca (o bairro gay madrilenho) — , já gerou meio milhão em publicidade espontânea, calculando-se o investimento que teria que ser feito para atingir o impacto atual.

Mas, extrapolando-se a efetividade da publicidade, está instaurada a CPI local dos Correios. Em pauta, a idoneidade da ação. Numa cidade de 3,3 milhões de potenciais infuenciadores digitais, e num pais de quase 50 milhões deles, há opinião ao gosto do freguês. Também notícias positivas e negativas, muitas delas omitindo números ou esquecendo de ouvir o(s) outro(s) lado(s) da história.

A extrema direita, representada pelo partido VOX, acusa a empresa 100% pública, fundada há mais de três séculos, de tentar espalhar ideologias sectárias e desperdiçar dinheiro público. Ainda mais, diz o partido, em tempos de pandemia, quando os Correios tiveram que pedir um empréstimo extraordinário para pagar folhas de pagamento. Políticos do Partido Popular, a tradicional direita espanhola, também foram críticos da atitude civilizatória. As duas formações, mais o Ciudadamos (a terceira força da direita), juntos representam cerca de 42% do eleitorado do país.

Santiago Abascal, maior expoente da extrema-direita espanhola: “não há dinheiro para respiradores nem para ERTEs (acordo coletivo para manter parte dos salários dos trabalhadores em momentos excepcionais). Governo criminoso!”

“Correos se tinge LGTBI e desencadeia a ira da direita: ´Com bandeiras a crise não será vencida´”, diz reportagem de um influente portal direitista, que dá o tom da polêmica.

Do outro lado da trincheira, jornais considerados de esquerda, como o EL PAÍS, noticiaram a ação sobriamente, em poucas linhas. “Correios comemoram o Dia do Orgulho com a emissão do seu primeiro selo LGTBI”. Já o PSOE, partido de esquerda que lidera a coalisão de Governo, não se manisfestou formalmente. Mas algumas de suas lideranças mais populares o fizeram. Adriana Lastra, a porta-voz do Grupo Socialista no Congresso dos Deputados, compartilhou na quinta-feira passada, em sua conta do Twitter, uma fotografia das caixas da discórdia junto ao slogan da campanha.

Já a direção dos Correios foi firme na defesa da publicidade: “temos compromisso com a diversidade e luta contra a discriminação”. E ainda lembrou que, além da brutal publicidade espontânea, a campanha foi pensada para ser lucrativa. Para isso, criararam-se novos selos que permitirão os Correos atrair novas receitas para, entre outras coisas, pagar as folhas de pagamento de que se queixava o VOX.

Segundo reportagem do jornal El Español, o primeiro objetivo já foi alcançado: 15.664 unidades do selo já foram vendidas, gerando mais de 18.900 euros. Em outras palavras, o dinheiro investido já foi recuperado.

selo dos Correios da Espenha: celebração da diversidade

Não é a primeira vez

A polêmica campanha dos Correios não é a primeira vivida na capital quando o assunto é diversidade. Em 2017, Madri celebrava a Parada Gay Mundial, e a prefeitura da cidade decidiu então inovar e instalar semáforos contra a homofobia. Uma série de imagens, de mulheres e casais gays, diferentes daquelas que os cidadãos estão acostumados a ver em encruzilhadas de qualquer outro lugar. “Madri tinha que ter esse reconhecimento nas ruas”, disse a então prefeita Manuela Carmena (minha maior inspiração política), “Essas luzes, projetadas para cuidar dos cidadãos, devem refletir a diversidade da cidade”. Assim foi feito: um total de 288 novas luzes foi instalada e 72 cruzamentos da Madri contam hoje essa história. As imagens, cujo orçamento foi um pouco mais caro que o da campanha dos Correios (22.000 euros), rodaram o mundo.

Reportagem da NBC, dos Estados Unidos, conta a história dos semáforos da diversidade madrilenhos

Apesar do sucesso em celebrar a diversidade, segue a polêmica. “Madri está relativamente obcecada em mostrar ao mundo seu apoio os gays gastando dinheiro para mostrar o quão são ´progressistas´”, dizem à direita.

Morador da cidade há seis anos, uma das coisas que mais gosto em Madri é o ambiente tolerante, talvez menos acentuado em cidades menores espanholas. Há frases locais que definem bem esse espírito: “se estás en Madrid, eres de Madrid”. Ou outra, ainda melhor para a ocasião: “Ame quem ames, Madri te adora”. Sem dúvida, não foi na minha Madri que o assuntto foi parar nos trending topics das redes sociais…

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Direitos LGBTI na Espanha

A Espanha é pioneira mundial em várias iniciativas de igualdade de gênero. Foi o terceiro paí a aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo (2005) e o primeiro a aceitar a adoção monoparental (2015). Em 2007 o país aprovou a lei de identidade de gênero, que permite a mudança de nome e sexo no registro civil.

A legislação do país ampara as pessoas LGTBI frente a qualquer tipo de discriminação ou agressão sofridas. Mais do que isso: o Código Penal considera agravante (circunstÂncia que aumenta a responsabilidade penal) quanto o delito se comente pela orientação ou identidade sexual da vítima.

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