Reinado custará R$ 57 milhões à Espanha em 2021, mais de R$ 3 mi que em 2020

É a terceira subida consecutiva do orçamento da Casa Real

Meu lugar de fala –ou legitimidade, como se dizia há até pouco tempo –, para falar sobre o reinado espanhol é de baixo do pedestal. Não sou espanhol, cheguei aqui adulto, com a História do Brasil na cabeça, e por mais que me esforce não terei a dimensão histórica nem social do que representa ser um súdito.

Mas ao viver no Reino de Espanha, um país tão apaixonante quanto a sua política, como não opinar sobre Felipe VI e o que ele representa? Ainda mais ao ler a notícia que a família real custará R$ 57 milhões ( 8.431.150 euros) ao país em 2021, mais de R$ 3 milhões que em 2020. Ou acompanhar as buscas pelo rei emérito, Juan Carlos I, pai de Felipe, que depois de ser acusado de receber 100 milhões de dólares em propinas da Arábia Saudita desapareceu do mapa por semanas. Ou que um vestido Zara de 12,99 euros (cerca de R$ 80) da Rainha Letizia está arrebatando de vender.

Raina Letícia, rei Felipe e o vestido que viralizou

De uma maneira ou de outra, o rei e sua gente estão na boca dos 47 milhões que habitam essas terras, ainda que suas funções sejam limitadas pela constituição espanhola — cabe a Filipe VI indicar chancelar o candidato a Presidente do Governo, além de sancionar leis já aprovadas pelo parlamento. Além disso, o rei da Espanha também é o Comandante Supremo das Forças Armadas. E também o destinatário de milhões.

Voltando-se um pouco no tempo, parece consenso que o reinado cumpriu um papel fundamental na transação da ditadura franquista à democracia, cujo marco foi o ano de 1978, e o protagonista, Juan Carlos I. Apesar de os mais astutos sempre lembraram a boa relação entre o ditador e o bourbon.

Mas anos depois, em abril de 2012, o admirado rei da transição, cujo reinado parecia estar em velociade de cruzeiro, inviolável e irresponsável, foi fotografado caçando na África. Enquanto Juan abatia elefantes, a sociedade espanhola vivia turbulências fortes causadas pela crise econômica que havia começado quatro anos antes. Desemprego estratosférico, filas da famintos, estado de bem-estar social posto à prova. O país passava maus bocados. “Lo siento, me he equivocado y no volverá a ocurrir”, disse o àquela altura septuagenário monarca após deixar um hospital em Madri. Ele havia caído e fraturado a bacia em suas andanças por Botsuana. Os espanhóis estavam irados, e com razão. Para se ter uma ideia, a reportagem do jornal El País, o mais relevante aqui, sobre a caça do rei na África, tem 6970 comentários. Quase todos negativos.

Juan Carlos primeiro e seu troféu, um elefante, em caçaria na África

A essas alturas, milhares de espanhóis já haviam saído às ruas por dias no movimento conhecido como 15-M. Também chamado de movimento dos indignados, a manifestação de 15 de maio de 2011, convocada por vários grupos acampados em praças de diferentes cidades da Espanha, promovia uma democracia mais participativa, contra o bipartidarismo PSOE-PP, do domínio dos bancos e corporações, bem como uma “verdadeira divisão de poderes” destinada a melhorar o sistema democrático.

Uma das propostas-chave do movimento era eliminar a monarquia. Diziam ser inadmissível que a chefia do estado fosse herdada. Pressionado, dois anos depois do “lo siento, me he equivocado” e três anos após o 15-M, rodeado de escândalos, não restava outra senão abdicar em nome do filho.

Mas para muitos espanhóis a troca de um rei corrupto por um com ares de modernidade não basta. Eles querem um debate sobre monarquia ou república. O status quo do país, principalmente a direita, acusa-os de sembrar o caos. Sim, o caos, já que seria rasgar a constituição espanhola.

Sobre essa falso dilema, leio a grande escritora Almudena Grandes compartilhar que em 2 de agosto de 1975, a capa de Hermano Lobo – revista que se definia como um “semanário humorístico dentro do que cabe” – publicava um dos ponto altos do humor gráfico espanhol de todos os tempos. O cartunista Ramón coloca à direita um pedestal adornado com cortinas, de onde se dirige ao povo espanhol um orador calvo, de fraque e gravata-borboleta, representado por um pelotão de figuras com boinas de orifícios e narizes enormes. Ou nós ou o caos!, proclama ele. Seu público responde com um grito unânime, caos, caos! O orador reage imediatamente. É a mesma coisa, também somos o caos.

Pode até ser verdade. Mas temos que concordar que, em meio a uma pandemia, há caos e caos…Para alguns, pode ser enfrentar filas de doação de alimentos, ou de escassas entrevistas de emprego; para outros, verbalizar empatía enquanto embolsa R$ 1,67 milhão ao ano (o salário do rei em 2021). É disso que se trata, penso eu, da parte de baixo do pedestal.


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