Considerado o país mais católico do mundo, México tem padroeiro até para traficantes de drogas

Maverde, padroeiro dos traficantes mexicanos, exposto em boate de luxo de Playa del Carmen, no México
Maverde, padroeiro dos traficantes mexicanos, exposto em boate de luxo de Playa del Carmen, no México

Alguns textos foram escritos antes de o Andar Andar existir, mas contam histórias que podem ser úteis para futuros viajantes, ou apenas curiosas.

México, janeiro de 2016 — Tinha cerca de 1,60m e uns 80 kg sustentados por um chinelo de dedo velho. A bermuda larga e comprida e a camisa curta o faziam parecer ainda mais gordo e baixo. Era feio, muito feio, atrapalhado pelo bigode largo e mal aparado e pelo cabelo ralo pintado dessas cores que só existem em tinta de cabelo. Estrategicamente posicionado à porta do banheiro masculino de La Santanera, uma das melhores boates de Playa del Carmen, a 60 km de Cancún, no Caribe mexicano, era o rei do pedaço numa noite de corpos deslumbrantes à mostra e música eletrônica, senha global para o alto consumo de drogas.
Representante legal de Joaquín Archivaldo Guzmán Loera, para o crime “Chapo Guzmán”, o traficante mais procurado do mundo, preso na última sexta-feira em Sinaloa — estado onde nasceu e é idolatrado pela população local por ser o violento e caridoso Robin Hood pós-moderno –, estava ali protegido pelo seu exército de bandoleiros e por parte do estado podre do México. E vendendo todo tipo de droga, estoque ilimitado.

O Chapo Guzmán é mostrado como troféu depois de sua recaptura (foto: 8/1/16 imprensa mexicana)
O Chapo Guzmán é mostrado como troféu depois de sua recaptura (foto: 8/1/16 imprensa mexicana)

Os donos da boate, ocasionalmente honestos, fingem que não é com eles para o bem das suas integridades físicas. Muitos são bandoleiros ou mantém ótima relação com eles, sendo as próprias boates erguidas para lavar o dinheiro apurado próximo a algum mictório.
Os clientes, acostumados com a dinâmica, não ousavam comprar alegria artifical em outra fonte que não a indicada pelo risonho homem, sob pena de serem coagidos violentamente por outros do bando que circulavam pelo local sem dar muitas pistas. Notava-se certa tensão no ar.

A polícia, no México armada com metralhadoras agressivas que contrastam com a fala mansa, a gentileza e o jeito quase subserviente do caráter mexicano — num castelhano cantado, cheio de gírias e expressões carinhosas a seus interlocutores –, passava longe dali. Segundo a imprensa do país, acredita-se que 90% dos pagos para proteger, do judiciário e da própria imprensa sejam corrompidos pelo poder da droga. Droga, aliás, o produto mais exportado de um país inundado pelo petróleo e pela corrupção.
O México está completamente afundado no tráfico numa dramática situação, que parece insolúvel: seus vizinhos do norte consomem droga como nenhum outro país do mundo, e cheiram, fumam e se picam cada vez mais.
O poder da droga é tão avassalador, que, mesmo com uma olhada desatenta em qualquer cidade do país, percebe-se que o prefixo narco entranhou-se no vocábulo dos quase 120 milhões de habitantes que habitam a 13a maior economia do mundo. É tão forte que deu cria à narco-música, — tocada inclusive nas rádios locais em vários rincões e que louva o estilo de vida criminoso; à narco-moda, na qual botas de bico fino e couro de jacaré desfilam em corpos geralmente rechonchudos protegidos por chapéus que mais lembram o de cherifes norteamericanos e são produtos de desejo; narco-gírias manifestadas em spanglish, a mistura entre espanhol e inglês, parte do vocabulário; e até a narco-arquitetura, facilmente reconhecida pelo exagero de cúpulas e luxúria de gosto duvidoso que se espalham por cidades de todos os tamanhos.

Capa de álbum: sucesso principalmente no norte do México, narco-corridos exaltam o crime
Capa de álbum: sucesso principalmente no norte do México, narco-corridos exaltam o crime


O homem na porta da discoteca, soldado do cartel de Sinaloa, insistia numa cantoria desafinada que anunciava seu cardápio: ectasy, heroína, cocaína, maconha, metaanfetamina. Tudo ali, na polchete, junto a milhares de pesos e de dólares. Livre, debochado, a própria lei.
No México, a geografia do tráfico entre os quatro cartéis dominantes é um tabuleiro dinâmico que se move à base de milhares mortes numa terra desde sempre sem lei. A justiça geralmente é a do tribunal do crime, cujas penas comuns aos infiéis são decapitações, morte por afogamento em ácido, tortura com soco americano, a depender do tipo do erro cometido.  Não há limites para a perversidade nem ninguém se choca mais.
O chaparito — como se diz baixinho no México; “chapo”, para muitos clientes que o acessavam com ar de intimidadade amedrontada — da porta estava mais do que amparado. Em meio ao local de decoração kitrsch-chique no qual dividiam espaço artigos de luta livre, um jaguar de cerâmica iluminado, entre outras referências locais, um busto de neon de cerca de 4 metros quadrados o protegia. Era a imagem de Maverde, o padroeiro mexicano dos traficantes, que por um segundo me fez lembrar que estava no país mais católico do mundo. E onde o crime não precisa se confessar.
foto: padroeiro dos traficantes na parede.


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