A herança de Gugu, a cloroquina e o Brasil

Diz muito sobre um país que num momento de angústia e sofrimento para milhares de pessoas, causado por uma pandemia global que já matou mais de 16 mil dos seus concidadãos, o programa mais popular da tv exiba uma reportagem de quase nove minutos sobre o futuro da herança de um apresentador de auditório, a quem há seis meses se prestavam largas homenagens. Mas o escancaramento da vida de Gugu no Fantástico é muito mais que revelador e deprimente. É transcendental. Já desenvolvo a teoria.

Hoje a repercussão da reportagem estava entre as notícias mais lidas do UOL, por onde eu soube da cobertura da tv. Assisti primeiro à reportagem, da qual a notícia do site é uma transcrição aproveitadora, uma típica caça-clique. Conseguiu.

Não é preciso dizer que o respeito à dignidade humana, dos vivos e dos mortos, deveria ser princípio do jornalismo. Outro valor elementar em qualquer manual é que “é notícia o que seja de interesse público”. A herança de um homem gay que quis preservar sua sexualidade certamente não interessa a ninguém, além de a sua família e dos quem eventualmente teve algum tipo de afeto. Adoraria saber da TV Globo qual o critério adotado para escancarar uma celeuma privada, mas ainda em meio a uma pandemia, quando há problemas urgentes em diversas áreas (aqui, aqui ou aqui, por exemplo), de que vergonhosamente, talvez por interesse próprio, pouco somos informados pela emissora carioca. Será que pensaram nos filhos de Gugu? Será que divulgariam se fosse o imbróglio da uma estrela da emissora? Tadeu Schimitt já traiu a mulher?

Mas a reportagem não foi apenas desrepeitosa e desumana, teve sua serventia. Ao ler os comentários do vídeo publicado em vários canais Youtube e a cópita da matéria transcrutra no UOL, tive uma epifania relacionada com o Brasil de Bolsonaro. Sua total falta de empatia, sua desumanidade, sua covardia, tem mesmo tudo a ver com um certo país. Esse que é capaz de atuar como juiz sem lei, como especialista sem formação, como dono de verdades absolutas. Que é capaz, em nome da liberdade, de tomar decisões irresponsáveis que podem, como agora, pôr a vida dos outros em risco. Fique em casa, use máscara… A maioria dos comentários sobre a herança de Gugug eram um retrato 3×4 do Bolsonaro dos costumes.

“Alguém ouviu a voz desse Thiago (o suposto namoradode Gugu)? Feminina ou masculina?”

“Tiagão, ouça o meu conselho: a galera adorava o Gugu, entao para de querer causar em cima do morto e para de passar vergonha, valeu?”

“Fui viajar com minha amiga, dividimos o quarto umas 4 vezes já. Será que tenho uma união estável com ela? Faça me um favor, ter um caso é uma coisa ter uma uniao estavel é completamente diferente.”

“O Gugu tem uma fortuna de mais de 1 bilhão de reais e eu quero uma parte dessa fortuna para mim, pelo menos meio bilhão é meu. Eu sou pai de um dos filhos dele”

“Dinheirinho na mão… roupinha íntima no chão. Não passe recibo senão pode dar problema depois… principalmente se em questão estiver algum milhão…”

“Este gugu também queria ser tudo , hétero , gay , bi, etcc isto segundo este aproveitador intempestivo”

“O chef queimou a do Gugu?”

“Uma relação de amor $$$$$$$$. Afffff… a cara de pau e o oportunismo são demais. Que nojentice. Como tem gente que se supera na cara de madeira! Haja óleo de peroba.”

Esse Brasil da estupidez, eureka, é o mesmo Brasil mesmo que grita “cloroquina, cloroquina, cloroquina lá do SUS, eu sei que tu me salvas em nome de Jesus”. Como os algozes de Gugu, eles não estão nem aí para a verdade. Nem para vida. Nem para o outro. Quantos milhões de bárbaros haverá nesse território de 8,516.000 de km²?

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