“Hoje milhares de crianças vão morrer de fome, nenhuma é cubana”. O que vi na Ilha.

 

Centro de Havana
Centro de Havana

“Unos 600 millones de niños viven en la pobreza. Y más de 27 mil menores de cinco años mueren cada día por causas evitables. Ninguno de ellos es cubano” — cerca de 600 milhões de crianças vivem na pobreza, e mais de 27 mil delas com menos de cinco anos morrem a cada dia por causas evitáveis. Nenhuma delas é cubana. A frase, estampada num cartaz à saída do aeroporto José Martí, foi a primeira que li ao desembarcar em Havana. Leria muitas outras frases pró-regime depois, já que centenas delas estão espalhadas pelo país. É sem publicidade mais presente na Ilha, e divide espaço somente com o que o governo permite. 

Cuba Embargo At 50
Embargo econômico a Cuba pelos EUA começou em 1962 e estampa várias mensagens pela Ilha

Era 2004, época em que os presidentes Fidel Castro e George W. Bush trocavam insultos mais ou menos institucionais, e as frases eram repintadas ou ganhavam ainda mais destaque.

A propaganda sobre crianças voltou automaticamente a minha cabeça nesta segunda-feira, ao ouvir a impressionante e histórica entrevista coletiva com Barack Obama e Raúl Castro. Obama, firme, cobrou democracia e direitos humanos, e disse que por onde os EUA tiverem chance de deixar seu recado, compartiharão esses valores. Vale a pena revisar a História para não ter dúvidas que não é verdade, mesmo que boas as intenções de alguém que cumpre bem o papel de estadista.

Castro, aparentando desconforto e irritação em vários momentos — foi a primeira entrevista coletiva, em Cuba, do presidente  desde que assumiu o mandato em 2008 –, foi responsável pela resposta mais dura e inesperada do encontro, que durou cerca de 1h.

arack Obama e Raúl Castro, em Havana, em entrevista coletiva concedida após encontro bilateral
arack Obama e Raúl Castro, em Havana, em entrevista coletiva concedida após encontro bilateral

Ao responder sobre o desacordo entre os países sobre o respeito aos direitos humanos, ele disse: “pelo que entendi, você perguntou alguma coisa sobre o avanço em Cuba do respeito aos direitos humanos, mas agora eu vou fazer uma pergunta a você: as instituições internacionais reconhecem 61 instrumentos de efetivação dos direitos humanos. Quantos países do mundo cumprem todos eles? Você sabe? Nenhum! Alguns cumprem alguns, outros cumprem outros, e neste meio está Cuba. Dos 61 mencionados, Cuba cumpre 47. Certamente há países que cumprem mais, outros que cumprem muito menos. Não se pode politizar direitos humanos. Isso não é correto. Se seguimos politizando, não avançaremos. Por exemplo: para Cuba, que não cumpre todos os direitos, o direito à saúde, — ‘você quer algo mais sagrado que o direito à saúde?’–, que não morram milhares e milhares de crianças por não haver um simples vacina ou qualquer remédio, é cumprido, por exemplo…

"Patria es humanidad", diz letreiro em Havana
“Patria es humanidad”, diz letreiro em Havana

Você está de acordo com o direito à educação gratuita para todos? Creio que há muitos países que não conseguem alcançar esse direito. A começar que todas as crianças nasçam num hospital e sejam registrados no primeiro dia de vida… porque quando as mães estão próximas ao parto vão a um hospital e sejam bem tratadas. Não importa em que vilarejo viva, nem sua condição econômica. Temos também muitos outros direitos: direito à saúde, direito à educação…Você considera, por exemplo — e é o último exemplo que vou compartilhar –, que um homem deve ganhar mais do que uma mulher para realizar o mesmo trabalho que ela? Em Cuba, não acontece. Posso enumerar vários exemplos, por isso é impossível usar esse argumento — que em Cuba se atenta a mais direitos humanos que em outros países –. Isso não e justo, não é correto. Só faz parte confrontação política, mas não é correto. Vamos trabalhar para que todos os países possam respeitar todos os 61 direitos humanos”.

Se é bom saber que, segundo Clóvis Rossi escreveu na Folha de S.Paulo desta segunda-feira, “a Comissão Cubana para Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, somente nos dois primeiros meses do ano, 2.500 pessoas sofreram detenções arbitrárias”, também é bom não esquecer que a frase cubana do aeroporto tem total sentido.

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